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Retorno das Árvores ART

Rochagem - 1

Atualizado: 1 de jul. de 2023

Rochagem 1 (Fundamentos: mineralogia, pedologia e biologia do solo)

“Rochas moídas como condicionador de solo?”


1. Credenciais


Minha carreira técnico-cientifica com rochagem começou em 1978, no meu primeiro estágio em fazenda biodinâmica, na Demétria. Depois deu um salto durante um curso de biodinâmica que fiz na fazenda-escola Dottenfelderhof, Alemanha, cujo TCC foi sobre a ‘rochagem com rochas ígneas em diversos biomas tropicais’. Por fim se consolidou num experimento de campo realizado no bairro Demétria e por diversas aplicações práticas em trabalhos de consultoria.


Este artigo se divide um duas partes. Neste texto (a parte 1), quero estruturar os fundamentos mineralógicos e biológicos da rochagem. Na parte 2 irei trazer algumas recomendações para o manejo de solos com rochagem, para máximo aproveitamento da rochagem em lavouras convencionais, orgânicas e regenerativas.

lâmina de rocha em foto microscópica, revelando as cores de cada mineral de uma rocha ígnea e, portanto, a sua diversidade.

Fonte: revista Agroecologia-hoje Nº 20 (agosto/setembro 2003)


2. Glossário


Farinha de rocha: = pó de rocha (são sinônimos).

Pó de rocha tradicional: originalmente, subproduto da fabricação de brita (de rocha ígnea), todo material fino que passa pela peneira, de estilhaços a outras frações mais finas.

Pó de rocha comercial (atualmente): material finamente moído e peneirado, nas frações areia fina, silte e argilas, ampliando a superfície especifica de interação “estrutura cristalina x agentes de atividade biológica do solo”. Rochagem: aplicação de pó de rocha a solos agrícolas, acompanhados de agentes de solubilização biológica (adubação verde, MRF, compostagem, solubilização prévia em tanques de fermentação biológica).

Solubilidade imediata: é baixa e tende a zero, estrutura cristalina dos minerais de rocha.

Intemperismo: processo de transformação dos minerais de rocha em minerais do solo.

Intemperismo biológico: “digestão biológica acelerada” em solo com alta atividade biol. Remineralização de um solo: disseminazação de partículas minúsculas de rocha moída por todo volume de solo fértil, cada partícula sendo fonte de dezenas de minerais, normalmente escassos em solos tropicais.


3. Por que aplicar rochas moídas a solos tropicais?


Por que motivo deveríamos enriquecer o solo com pó de rocha? O solo surgiu da rocha, é um produto de sua transformação pelos processos de intemperismo, verdadeira neoformação. Por quais motivos recorrer à rocha mãe, fragmentada e até moída (e peneirada), para regenerar a fertilidade de um solo desgastado? Isso funciona realmente?


4. Condições que favorecem o aproveitamento de rochas moidas


Em revisão da literatura sobre rochagem (10 meses) e constatei que, dentre os trabalhos que apresentavam resultados positivos, as condições eram precisamente estas:

Clima tropical: favorece o intemperismo do pó de rocha in situ (no solo).

Material finamente moído: aumentando a superfície especifica

(área:peso).

Experimento de longa duração: vários anos, tempo para os processos

agirem.

Solos de alta atividade biológica: manejados organicamente,

regenerativamente.


Observação: Por mais dura que seja uma rocha, uma vez fragmentada e moída, será digerida pela vida de um solo, disseminando a ‘remineralização’ por todo solo fértil.

.

5. Perspectivas de sucesso da rochagem


Com 2 das 4 condições (acima) atendidas → a rochagem será bem-sucedida Com 3 das 4 condições (acima) atendidas → a rochagem será muito bem-sucedida Com 4 das 4 condições atendidas rochagem surpreende, se torna grande sucesso.


6. Atividade biológica promove lenta e constante solubilização.


Apliquei pedrisco (40 ton/há) de basalto em solo arenoso, do cerrado de Botucatu, que se transformou em SAF. O crescimento das plantas foi melhorando ano após ano. Passou a produzir abundante biomassa, permitindo a produção de frutas. Após 5 anos, o SAF exibia plantas nativas e espontâneas (indicadoras) típicas de mata atlântica. Mas, de que forma as deficiências de um solo tropical puderam ser corrigidas por esta rochagem tão rudimentar? A atividade biológica intensiva de um SAF se reflete nestes índices:


7. Principais deficiências de solos tropicais


Solos tropicais muitas vezes “involuem” pela perda de nutrientes e dilapidação dos argilo-minereis. Intensivos processos de intemperismo e lixiviação levam à perda irrecuperável de nutrientes como K, Na, Ca e Mg, transformando argilas reativas (alta CTC) em grupos cada vez menos reativos (baixa CTC). De tal maneira que solos originalmente reativos, porque argilosos (até 60% de argilas), se comportam ao final dessa involução como se fossem solos arenosos, ou seja, leves, bem arejados e pouco reativos. A maioria dos solos tropicais depende, em alto grau, da capacidade de troca catiônica ancorada na matéria orgânica do solo, ou seja, depende da quantidade e qualidade do seu húmus.


8. Inexistência de minerais intemperizáveis


Em solos tropicais velhos ou senis, especialmente nos grupos dos latossolos (oxissolos) e podzólicos (ultissolos) e dos solos puramente arenosos como as areias quartzosas, não existe uma fração de minerais ‘intemperizáveis’. A tão almejada mobilização ativa de nutrientes não funciona, pois não há o que mobilizar. Isso é particularmente verdadeiro em solos com pouca ou nenhuma fração silte, como demonstram os resultados de Graham (1952), em solos australianos. Nesses solos, quando existe uma fração silte, ela se compõem de areia fracionada. Ele encontrou uma nítida correlação entre a ausência de minerais intemperizáveis na fração silte com a falta de micronutrientes no solo. Veja a seguir um fluxograma bastante claro dos processos de desmineralização de longa duração, na formação de solos, até chegar no solo tropical.


9. Princípios fundamentais


O motivo central da rochagem surge da seguinte constatação: mediante o aporte de rochas ígneas moídas é possível restituir ao solo uma fração de minerais intemperizáveis que possa atuar como uma fração silte de solo jovem, portanto uma reserva de nutrientes minerais disponível por longo tempo. Veremos adiante que o pleno aproveitamento desses minerais somente é possível com alta atividade biológica do solo, ou seja, somente o uso recorrente de adubos orgânicos (e regenerativos) permite a exploração do potencial produtivo da rochagem


Já dizia um dos pais da rochagem, Mueller, na Suíça em 1890: "rochagem e esterco levam o produtor ao acerto" (tradução livre de um ditado camponês). Em clima tropical e subtropical, o parceiro orgânico da farinha de rocha pode variar, podendo ser a compostagem, a adubação verde, adubação com madeira rameal, o enraizamento intensivo do mato-folha-larga, de plantas forrageiras, a biomassa de um sistema agroflorestal, uma simples cobertura morta ou uma soma destas opções. Também existe a opção por fazer uma pré-digestão em tanques de fermentação.


10. Calagem e fosfatagem, também são rochagens?


De certa forma sim, pois ambos são compostos de rochas naturais moídas e peneiradas. Porém, a rochagem com rochas ígneas oferece uma gama maior de nutrientes, apesar de ser muito mais lenta. A seguir um resumo dos fundamentos mineralógicos.


No atual estágio de pesquisa & validação, já podemos afirmar: >> Rochagem com rochas ígneas = calagem + fosfatagem + adubação potássica + mix com todos os micronutrientes, essenciais, úteis e outros. <<


11. Por que preferir rochas ígneas? E por que as básicas? Por que preferir as rochas metamórficas e sedimentares derivadas destas?


Rochas ígneas, formadas por uma grande diversidade de minerais silicatados, representam uma fonte realmente lenta de liberação de nutrientes, tão vantajosa no trópico úmido. A solubilidade e disponibilidade dos nutrientes permite a seguinte classificação de adubos minerais utilizados no manejo de solos:


Cinzas de madeira > Sulfato de cálcio (gesso) > Carbonato de Cálcio e Magnésio (calcário) > fosfato de rocha > pó de rochas ígneas (basalto > granito).


Rochas ígneas são uma fonte de todos os nutrientes essenciais (exceto N e S) e de dezenas de nutrientes úteis como cobalto, silício e sódio, além dos elementos supostamente não essenciais como selênio, cromo, lítio, estrôncio, vanádio, titânio e dezenas de outros. Derivando a remineralização de solos esgotados.


Tais nutrientes são de enorme significado para microflora da rizosfera e até mesmo da microflora ruminal, quando ingeridos pelo animal ruminante em forma de forragem. Dentre as rochas disponíveis para agricultura, pode-se considerar, num primeiro momento, a seguinte classificação:








As rochas metamórficas muitas vezes trazem concentrações maiores em minerais altamente reativos, acelerando o efeito


12. Qualidades excepcionais das rochas ígneas


Rochas ígneas são de origem magmática. Também são chamadas de primárias, já que o magma é visto como fonte primordial da crosta terrestre. Todas as outras rochas são somente uma parte das rochas primárias. Daí sua grande riqueza e variedade de elementos (nutrientes). É muito útil comparar a composição mineralógica de duas rochas de origem ígnea, para perceber que também há diferenças entre elas:


Percebe-se que, na medida em que o basalto é menos rico em Si, ele é mais rico nos demais nutrientes, com exceção de Al, Na, K e B. Além disso, a família do basalto resiste menos ao intemperismo do que a família do granito, em função de sua composição mineralógica, como pode ser visto logo abaixo.



13. Um louvor ao Granito, ao Gnaisse e ao Gabro


A Finca Irlanda, no México, 1ª fazenda biodinâmica certificada DEMETER da América Latina (desde 1967), trabalhou por décadas aplicando pó de granito por meio de sua compostagem biodinâmica. E com muito sucesso. Constatou-se uma correlação positiva entre o pó de granito e a fitossanidade do Coffea arábica.


Não devemos desprezar as rochas mais fracas em Ca, Mg e P. O granito/gnaisse traz este particular, sendo forte em Si, K, e Na. Por este motivo, torna-se especialmente apto a equilibrar solos de alta produtividade, como o cultivo intensivo de flores e hortaliças. Estes solos já apresentam altos teores de Ca, Mg e P, porem precisam melhorar a disponibilidade dos nutrientes-chaves para fitossanidade preventiva: Si, K e Na.


14. Efeitos possíveis da rochagem


A seguir enumeramos alguns efeitos no sistema solo decorrentes da aplicação de rochas ígneas básicas, em experimentos espalhados pelo mundo todo.


a. Efeito nutricional de curto e médio prazo


O efeito nutricional do pó de basalto começou a ser comprovado em experimentos realizados a partir do século XIX. Albert e Hilf comprovaram o efeito nutricional de 150 a 300 toneladas/ha de basalto, aplicado em cobertura sobre solos pobres e arenosos (portanto sem incorporação), cultivados com árvores coníferas em clima temperado.


D'Hotmann de Villiers (1949) registrou um aumento na produtividade de cana de açúcar da ordem de 14% a 17%, média de 8 anos, em cultivo em solos arenosos, ácidos e pobres das ilhas Maurícius, aplicando 100 ton, 300 ton e 600 ton de pó de basalto/ha.


Diversos experimentos registram o efeito nutricional especificamente para o potássio, Pfleiderer (1986) e Richter (1974). Outros trabalhos, nos quais não se detecta nenhum efeito nutricional, geralmente apresentam os seguintes fatores: substrato utilizado ainda muito rico em nutrientes x quantidade aplicada muito pequena x granulometria muito grosseira x clima muito frio x atividade biológica muito baixa x tempo de ação muito curto.


b. Alteração da capacidade de troca catiônica (CTC)


Grandes quantidades podem alterar significativamente algumas características físico-químicas de solos altamente intemperizados, como indicam os dados de Gillman.

Fonte: revista Agroecologia-hoje Nº 20 (agosto/setembro 2003)


Observação: percebe-se que de inicio, sem muita confiança na tecnologia, e sem ter um verdadeiro pó, finamente moído, as quantidades testadas eram enormes. Desnecessariamente grandes. Hoje em dia a dosagem varia de 1 a 10 ton/há.


c. Efeitos de longo prazo: húmus, nutrição com K


Nessa categoria encontram-se trabalhos mais recentes, como a aplicação que fizemos, em solos de cerrado, de 40 ton/ha de pó de basalto (grosseiro) num sistema agroflorestal. No quadro abaixo a evolução dos índices de fertilidade do solo após 5 anos:


POTÁSSIO


Evidentemente a constante e lenta liberação de potássio, torna as rochas ígneas a fonte ideal de potássio num clima que prima pela rápida perda (lixiviação) de todos os cátions, principalmente os monovalentes. Na análise visual das plantas do SAF não havia sintomas de deficiência de potássio, esse não parecia ser fator limitante. Como explicar então o teor extremamente baixo no complexo de trocas catiônicas?


A explicação mais plausível advém da constante extração vegetal do potássio disponibilizado pelos processos de intemperismo, não permitindo seu acúmulo nos sítios de troca catiônica. Porém circulando em suficiência na fisiologia das frutíferas, que mantinham excelente fitossanidade e boa produtividade.


HUMUS & ÍNDICES DERIVADOS


Por outro lado, a constante liberação de bases contribui para a estabilização da matéria orgânica, propiciando, pouco a pouco, o enriquecimento do húmus. Temos uma série de índices que aumentaram conjuntamente: 30% na M.O. (incl. Humus), 20% no pH, 87% na CTC e 155% na V%. O tempo de 5 anos e o sistema SAF propiciaram a conversão de M.O. em humus, o único Capaz de alterar a CTC positivamente.


COR, SABOR, AROMA


Há relatos de produtores orgânicos de frutas que notaram um sabor mais pronunciado após adotarem a rochagem. O que reforça um entendimento qualitativo: os benefícios da rochagem incidem principalmente no metabolismo secundário da planta, melhorando cor, essências, princípio ativo, sabor e durabilidade.


15. Rochagem + Biomassa = Humus enriquecido


Ao optar por uma fonte de lenta liberação, trabalha-se com as seguintes vantagens:


• minimização de perdas de nutrientes e ampliação do percentual realmente útil;

• rochas moídas são condicionadores de solo que promovem um lento enriquecimento da matéria orgânica de modo crescente e cumulativo. Na presença da farinha de rocha, ocorre o enriquecimento de toda biomassa pelo caminho da renovação do húmus, que leva a uma espiral de crescente fertilidade total;

• o fornecimento de fósforo é moderado (atenção! elemento “desbalanceador” quando em excesso). Por muito tempo as recomendações para aplicação de fosfatos de rocha foram, e ainda são, exageradas.

• fornecimento parcelado de potássio, elemento instável e um dos mais lixiviável. O que explica o baixo teor na análise apesar da boa nutrição neste nutriente que as plantas aparentam. O potássio liberado pelo pó de rocha é assimilado antes de ser adsorvido pelas cargas negativas dos colóides do solo. • A remineralização do solo ocorre em todo volume de solo fértil, não apenas superficialmente. Ocorre onde houver a maior atividade biológica, nos 20 cm superficiais, onde o fornecimento de oxigênio é ótimo.


É importante lembrar que muitas vezes a reserva total de fósforo mobilizável é tão grande, que o aumento da atividade biológica ativada pelo manejo orgânico de solos leva a situações de excesso de fósforo (centenas de ppm), induzindo à deficiência de micronutrientes (Zn, Mn e Fe) pela inibição da atividade micorrízica. A rochagem com rochas ígneas, substituindo a aplicação de fosfato de rocha, diminui este risco e promove uma oferta ampla de todos os nutrientes.


O conjunto desses processos têm como resultado uma crescente nutrição mineral trofobiótica e, consequentemente, uma melhor fitossanidade. É prudente frisar que a rochagem não substitui a adubação orgânica de rotina. Ela multiplica sim o efeito da adubação orgânica, que por sua vez amplia o intemperismo biológico dos minerais da rocha.


16. Quantidades recomendadas


Quando a rochagem se torna necessária? Apenas quando estivermos diante de solos extremamente intemperizados? Se a resposta for afirmativa, estarei tratando do pó de rocha como mero insumo, descaracterizando sua função de ativador dos processos de vida. Praticamente todos solos podem apresentar deficiências no fornecimento de um ou vários nutrientes ou de elementos úteis.

→ Portanto, como reserva de oligoelementos a rochagem sempre será

útil e poderá ter dosagens iguais ou menores que 2 ton/ha.

→ Para ser efetiva como fonte de macronutrientes, deve ser aplicada em

quantidades maiores. A efetividade da dosagem depende bastante dos

fatores condicionadores, que serão discutidos a seguir. Deve-se

considerar uma quantidade ótima de 7 ton/há, que poderá ser recalibrada

conforme cada situação especifica. Em solos por demais empobrecidos,

como oxisolos de cerrado e areias quartzosas, esta quantidade poderá

subir até 15 ton/há. Em solos nem tão intemperizados, como PVA e

Cambisolos, poderá cair a 4 ton/há


Dentro de alguns meses, haverá uma sequência deste texto, a parte 2, onde faremos uma apresentação das opções, de formas de aplicação da rochagem, bem como de alternativas de manejo de solo, convencional, orgânico e regenerativo.


Manfred von Osterroht

agricultura@regenerativa.art.br

www.regenerativa.art.br


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